quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Mr Gibson




Faz pranchas para mar gigante, para mar pequeno, para quem sabe muito ou para quem não sabe quase nada. Aos 29 anos, Jarrod Gibson até já fez pranchas para sobreviventes de ataques de tubarão. A mestria com que desenha, molda, corta e cola pranchas bodyboard valeu-lhe uma estadia na Refresh, a única marca de pranchas nacional, e o reconhecimento internacional como um dos melhores do Mundo na sua arte.
Tinha um ano quando os pais o levaram, com o irmão Aaron, pela primeira vez na viagem de campismo pelo Norte da Austrália. “Não surfavam, mas gostavam do estilo de vida na praia. Pássavamos as férias do Natal, a altura do verão australiano, a acampar sempre na praia”, conta Jarrod Gibson que nem se lembra da primeira vez que pegou numa prancha. Por volta dos dez anos, ganhou a sua primeira bodyboard e nunca mais as largou. A tradição era começar pelo bodyboard e passar para o surf, mas o pequeno Jarrod cresceu a ver Steve McKenzie e nunca mudou. “Percebi que as ondas que eu mais gostava não se adaptavam ao surf. Sempre gostei de ondas grandes e mais agressivas”, diz. Assim que o irmão mais velho conseguiu a carta de condução, habituou-se a seguir todos os dias para a praia e quando acabou o liceu já se podia dar ao luxo de escolher: profissional de bodyboard ou shaper. “Não encontrava a prancha que queria e decidi apostar. Hoje nada me dá mais gozo que ver o que os profissionais conseguem fazer nas pranchas que construo”, diz.

E tem motivos para isso. Na lista de clientes há dois bi-campeões do Mundo, Ben Player e Damian King, e alguns dos principais nomes da modalidade como Mitch Rawlins ou Ryan Hardy. ”Quando o Damian King foi campeão do Mundo usava uma das minhas pranchas. Senti-me realizado”, confessa. Mas trabalhar para os melhores bodyboarders do Mundo não é a mais segura das actividades. “Não posso fazer pranchas para ondas que não conheça. Onde eles vão, eu também tenho de ir”. E nem sempre corre bem. Um mês antes de voar para Portugal, Jarrod Gibson estava na água quando Michael Novy, outro dos seus clientes que corre pelo título Mundial, lesionou a coluna vertebral. "As ondas nem estava muito grandes, uns dois metros, mas rebentavam muito em cima da pedra. Não devíamos ter entrado”, lamenta.
Em Portugal até Setembro, Jarrod Gibson está ao serviço da Refresh. A única marca nacional com pranchas personalizadas convidou-o para a temporadada de verão, boa para vender pranchas, mas a pior do ano para encontrar ondas. Mas numa indústria que ainda dá os primeiros passos, a iniciativa da marca portuguesa é rara e só os mais conceituados shapers do Mundo têm direito a tal convite. Mas Gibson sabe que é preciso fazer de tudo. Em casa, além de ajudar a gerir a QCD, trabalha para as três maiores marcas internacionais – NMD, VS, Science – e conhece bem os segredos da indústria. “Uma marca de topo vende entre 25 e 30 mil pranchas por ano. Modelos personalizados ainda fazemos cerca de mil”, disse o shaper que desde a sua chegada a Peniche já acrescentou mais uma marca à sua lista de clientes. “No Surf é mesmo preciso ter mais que uma prancha. No Bodyboard é diferente. Para alguém que só se queira divertir , basta ter um modelo”, confessa.
“O surf é um desporto antigo, tem um campeonato Mundial sólido, grandes empresas e atletas muito conhecidos. O Bodyboard é um desporto recente. Existe no máximo há 35 anos e só agora está a ganhar uma identidade”, diz. E o percurso do mercado tem sido tudo menos regular. Gibson assistiu ao boom do desporto nos anos noventa, mas também já o viu lutar para sobreviver a uma crise. “Há uns dez anos, as marcas de surf desinvestiram e o Bodyboard parou. Só agora começamos a ter as nossas marcas de fatos e de roupa. Há mais dinheiro a entrar. Estamos a conseguir um maior mediatismo.” No entanto a diferença para os “primos” do surf ainda é considerável. “No surf um atleta de topo, só em prize-moneys, pode ganhar 400 mil euros por ano. No Bodyboard é preciso ser muito bom para chegar aos 30 ou 35 mil.”

Ainda assim, a ciência de domar ondas deitado já se tornou num desporto global. “Numa das viagens à Indonésia encontrei um grupo com uma prancha minha. Tinham-na encomendado de outra zona da Austrália e nem os conhecia. Só depois me apresentei”, recorda. Anualmente, faz três viagens e Fiji há muito que se tornou num destino de eleição. “Aproveito para experimentar pranchas. Há materiais para águas de temperaturas diferentes. Fiji é perto e tem uma atmosfera muito descontraída”, diz. Mas se viajar faz parte da cultura de praia, defender o ambiente também, e só agora o Bodyboard começa a despertar para a responsabilidade ambiental. “Temos de descobir materiais menos poluentes, mas é um processo demorado”, diz o australiano que tem passado os seus dias na fábrica em Peniche. “Em menos de três semanas já fiz cerca de 40 pranchas. Tenho saído da fábrica pelas 20h30 e ainda mal consegui ir surfar”, lamenta.

Em casa, os dias são passados entre a fábrica e North Orth Avoca, a onda onde cresceu, e o ginásio local que visita cinco vezes por semana. “Nas situações extremas tenho de estar física e mentalmente apto para me manter calmo.” E a quem faz bodyboard na Austrália nunca faltam momentos tensos. Além de algumas das ondas mais perigosas do Mundo, nas águas australianas também não faltam ameaçadores tubarões brancos. “Se vier uma onda, obviamente que a apanhamos, mas se aparecem numa altura de mar parado, temos de nos manter calmos. Se remamos somos comidos”, diz, com uma naturalidade desconcertante. E sustos? “Uma vez perto de casa, um surfista foi atacado cem metros ao meu lado. Escapei” No entanto, há quem não tenha a mesma sorte. “Já fiz pranchas para sobreviventes. Pessoas que perderam pernas. Adapto o tail da pranchas para que consigam surfar bem na parede da onda. É impressionante como pessoas com lesões como aquelas e ainda querem continuar a ir à água. Poder ajudá-las é um luxo.” **


Bons Tubos


** Texto publicado no Diário Económico a 24 de Julho de 2010

4 comentários:

  1. Apesar de ser um texto publicado no Diario Economico tem muita informação para apreciar. "Já fiz pranchas para sobreviventes."De tudo o que disse ,foi o que realmente me impressionou.Como é que estas pessoas vencem o trauma?Como é que ainda vão à agua?

    Post porreiro.

    ResponderEliminar
  2. Diz que quem o escreveu até faz umas ondas. Tem é um feitio de merda.

    ResponderEliminar
  3. Mau feitio ou não era pior se o gajo tivesse vindo cá e não houvesse quem conseguisse fazer meia duzia de perguntas .Repondeu a todas sempre acrescentar informação util.Mesmo nao sendo na imprensa "oficial" consigo ver o lado positivo ,abordam-se assuntos como "quantas pranchas vende uma marca"ou o numero das personalizadas.

    Se forem fazer as mesmas perguntas a um empresario portugues,as respostas são a "fugir" e cheios de segredos (maior parte).

    ResponderEliminar
  4. E é um tipo cinco estrelas. Um dos melhores do Mundo no seu ofício e, mesmo assim , extremamente humilde e acessível.

    ResponderEliminar