terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Estimada Federação Portuguesa de Surf

Estimada Federação Portuguesa de Surf eu sei que os tempos estão duros, que não há dinheiro a sobrar, que é complicado manter velhos hábitos e, pior ainda, que mesmo os velhos vícios parecem cada vez mais incomportáveis.

Estimada Federação Portuguesa de Surf, eu sei que em Portugal não temos o hábito de exigir responsabilidades a quem as tem e que num país em que o Miguel Relvas consegue ser ministro tudo se aceita. Mas estimada Federação Portuguesa, também tenho visto que o Mundo tem vindo a mudar e que nós, portugueses, até estamos, vagarosamente, a fazer o nosso caminho. No que às ondas respeita, por favor vê isto com um contributo para o teu crescimento.

Estimada Federação Portuguesa de Surf, tenho dois ou três desabafos para fazer. Nunca disputei um heat, alguma vez paguei quotas ou me emocionei com vitórias de kikas, becas e derivados em provas de quarta divisão da ASP disputadas entre a Ericeira e as, sempre in, praias da linha em condições épicas com onshore e ondas de 20 centímetros. Serei anti-patriótico ou apenas um bodyboarder com anos suficientes de ondas para já (quase) não me enervar com o tratamento miserável que há anos tu, minha estimada Federação Portuguesa de Surf, reservas ao desporto a que já dediquei tantos milhares de horas.

Estimada Federação Portuguesa de Surf, eu sei que a malta do Bodyboard te causa arrepios. Tem sido chato nos últimos anos disfarçar que os nossos resultados em equipa são conquistados com ARS e não com snaps, é chato ver que em vez de kikas e becas cheios de autocolantes são os malucos sem tostões quem sem manda em praias para onde temos de importar havaianos se queremos ver alguém em pé. Também sei, estimada Federação Portuguesa de Surf, que o Mundial de Bodyboard em Sintra foi, durante quase vinte anos, o teu único evento com relevo internacional. Agora, estimada Federação Portuguesa de Surf, nem esse foste capaz de segurar, fazer evoluir ou sequer encontrar alternativas. Há falta de ondas em Portugal? Não te preocupes, estimada Federação Portuguesa de Surf, a malta do Bodyboard aguenta, agenda campeonatos para a Nazaré, para os Super ou para a Cave que eles mandam-se. Imagina tu, estimada Federação Portuguesa de Surf, que até já houve quem se mandasse a braços para a Peralta quando tu e os teus se divertiam com filmagens, de helicóptero, de motas de água a rebocar kikas e becas. Mas deixa estar...

Estimada Federação Portuguesa de Surf, aceito que o teu desporto predilecto seja o das quilhas, aquele que por estes dias anda entre vudus e rezinhas para que um e outro desapareçam do line up de Pipeline e que o vosso único atleta de registo aguente mais um ano na linha onde rema quem nunca passa da primeira ronda a eliminar. Agora qual é o teu segundo desporto? Skimming? Longboard? Ou será aquela nova mota dos remos em barcos de fibra? Arrisco a heresia: é o Bodyboard. E quem perde o único evento de relevo internacional onde tens voto na matéria - no WCT em Peniche nem nos Wildcards terás voto na matéria ... e nós por aqui sabemos o que no Mundo das ondas se liga aos QS na Ericeira ... -, mesmo que da sua segunda modalidade, só pode ser uma de duas coisas: incompetente ou preconceituoso.

Não te parece, minha estimada Federação Portuguesa de Surf, que alguém devia explicar o que aconteceu? É que estou convencido que com boa vontade e, imagina a loucura, profissionalismo Portugal tem mercado, ondas e atletas para ter um dos melhores Grand Slams de Bodyboard do Mundo. Na volta, bastava deixar velhos vícios. limpar a parasitagem que há anos ronda Sintra e pensar com alguma dedicação num desporto que eu, como milhares de outros, amamos. Por favor, estimada Federação Portuguesa de Surf, vai ao Youtube e em vez de procurares bottom turns em Ribeira d'Ilhas escreve assim: Special Edition 2007. Vais ver que te surpreendes. Depois, podes pegar nos preconceitos com que tu, os kikas, os becas e toda a entourage de um desporto que se transformou num circo de autocolantes gostam de se referir ao Bodyboard e mete-os onde o Mcnamara conseguiu o recorde do Mundo. Se não encontrares nenhum surfista capaz de lá ir, diz-me que eu conheço meia dúzia de bodyboarders que chegam lá a braço.

Estimada Federação Portuguesa de Surf, desculpa o tom, mas peço-te que cresças. Isto por aqui está duro o suficiente sem que, também nas ondas, a manifesta incompetência de quem lidera atrapalhe quem só procura o seu lugar no pico.

E para vocês, boogies desta vida que por aqui passam, deixo a última bela nova de um desporto que insiste em sobreviver.

FAMILIA PODCASTS EP.05 - Cabedelo Muito Devagarinho from Timelapse-Media on Vimeo.


Bons tubos

Disclaimer: Não conheço nenhum surfista chamado kikas ou becas.

1 comentário:

  1. Cocas, boa parte das questões que colocas respondem-se com factos. Mas desses normalmente as pessoas pouco querem saber. No entanto tu pareces um tipo genuinamente interessado por isso disponibilizo-me para te esclarecer, se assim quiseres. Segue o meu contacto (bernardo.alvim@gmail.com). Abraço e boas ondas.

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